quarta-feira, 30 de março de 2022

Entrevista com Mané Gago (Ex-Presidiário)

 Clique no link para assistir o vídeo da entrevista com Mané Gago

Manoel partiu de um pequeno município de Minas Gerais, com o sonho de vencer numa cidade grande e partiu para tentar a sorte em São Paulo. Começou trabalhando como indicador no cinema (mais conhecido como lanterninha), depois como alfaiate e logo em seguida foi garçom em restaurantes frequentados pela elite paulista e de grandes artistas da época, como Jair Rodrigues, Raul Gil e Elis Regina. No caso da cantora, Manuel declarou que muitas vezes buscou maconha para a Pimentinha da MPB, apelidada pelo seu estilo de cantar e também pela sua personalidade forte. Deslumbrado com a nova vida na capital paulista, passou a querer muito mais, sua ambição e curiosidade, o fez aproximar-se de pessoas mal intencionadas, que mostrou-lhe o caminho da criminalidade. Começou a fazer várias contravenções principalmente em bancos, mas sua vida no crime não perdurou por muito tempo, as suas infrações chegaram ao fim e logo Manoel acabara detido e condenado a 209 anos de prisão, pela pratica de inúmeros assaltos a mão armada. Encaminhado para a Casa de Detenção, com mais de 8 mil encarcerados, uma cidade dentro de outra cidade e com regras impostas pelos próprios presos, onde um ato mal interpretado pode custar à própria vida de um individuo. Era dito que quando não havia barulho nos pavilhões, era motivo de preocupação, algo de errado estava para acontecer e sempre acontecia, por isso, na cadeia quanto mais barulho, melhor! Enquanto cumpria sua pena, Mané Gago (como era conhecido) utilizou de suas aptidões de alfaiate, para fabricar os tradicionais uniformes dos presos, foi dele a idéia de fazer as calças beges, com elástico na cintura. Também teve permissão de desenvolver a pratica de esporte, utilizando a capoeira e o boxe como atividades para ocupar o tempo dos detentos. A noite escrevia tudo que acontecia, com a intenção de um dia fazer seu livro, que ele chama de "Gritos da Alma!". “Você pode gritar pra Deus, pra sua família, pra quem for. Aqui ninguém te escuta. São gritos da alma!”, diz Manoel.

No Carandiru, ocorreram muitas histórias de rebeliões, fugas e mortes, porém no dia 2 de outubro de 92, acontece um episódio que marcou para sempre na vida de Manoel. Após uma partida de futebol no campo improvisado no pátio do presídio, ocorre uma briga violenta e sangrenta entre dois presos que, se confrontavam a golpes de facas no segundo andar. Os funcionários do pavilhão nove tentaram se interferir na briga, a fim de controlar a situação, batendo com canos de ferro, até naqueles que não tinham nada haver com o tumulto. Os presos revoltados por apanharem indevidamente, resolveram bater em alguns funcionários, que assustados corriam pelo corredor gritando rebelião. A Polícia Militar, liderada pelo coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para controlar as manifestações no presídio, mas acabou realizando uma verdadeira chacina no local. Vários policiais chegaram fortemente armados, apontaram as metralhadoras para dentro das celas e fuzilaram todos os condenados, não restando nenhum sobrevivente. A mesma ação se repetiu por todo pavilhão, haviam muitos corpos espalhados pelos corredores e sangue escorrendo pelo chão e escadas. Durante a madrugada os presos carregavam cadáveres que estavam nas galerias, poço do elevador e principalmente nas celas, os corpos eram jogados em caminhões de lixo e depois prensados. Pela janela Manoel observava toda a movimentação e ouvia os últimos gemidos de possíveis companheiros, que até hoje causa motivo de choro quando se fala sobre o assunto. Este episódio ficou conhecido como o Massacre do Carandiru, onde morreram 111 presos (sobreviventes garantem que o número de mortos é bem superior), mas o comportamento das autoridades, em esconder o verdadeiro número de mortos da imprensa, que eram considerados identificáveis pela família, também foi um fator que contribuiu para que o caso ganhasse ainda mais repercussão internacional. No amanhecer do dia, as marcas da destruição era bem maiores, mesmo acabando o pesadelo, é certo que as cenas vividas pelos presidiários, jamais serão esquecidas.

A execução brutal da policia chegou a dividir opiniões, era um período de muita violência na cidade e como resposta o governo mostrou sua força contra a “rebelião”. Para alguns, foram atos de covardia e outros diziam que “bandido tem de morrer mesmo”. Ao término de toda essa carnificina, mais de 100 policiais militares foram denunciados, inclusive o coronel da reserva Ubiratan Guimarães, que ordenou o ataque policial e esta respondendo o processo em liberdade. Após cumprir 22 anos de reclusão no maior presídio da America Latina. Mané Gago é libertado em 97 e desde então, tem procurado recuperar seu tempo perdido ao lado do seu único filho. Passou a morar em um prédio na região central de São Paulo e presta serviço voluntário orientando pessoas leigas nos processos jurídicos no fórum. Nos momentos vagos, começou a escrever suas lembranças da vida prisional, na esperança de um dia lançar seu livro intitulado de “Gritos da Alma”. Cada palavra escrita era como reviver aquele momento de angustia e dor, além de se questionar como ele conseguiu sair vivo daquele inferno. Apesar de toda dificuldade, Manoel tem disposição de vida ainda maior e continua buscando seus objetivos de fazer sua biografia, inclusive já foi entrevistado pelo falecido repórter Marcos Uchoa (Rede Globo), a voltar ao Carandiru para fazer uma matéria do Fantástico antes da implosão e depois foi convidado a ser  tema de um curta metragem em 2005, concorrendo no 16° Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, ficando classificado em 3.º lugar. Com o dinheiro da premiação, Manoel conseguiu quitar suas dividas, comprou uma máquina de costura e voltou a exercer seu oficio como alfaiate. Da janela do seu quarto, ele olha refletivo a movimentação das pessoas nas ruas do centro, e sabe que a liberdade não tem preço, mas que um dia pagou o preço para tê-la de volta.

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