Clique no link para assistir o vídeo da entrevista com Oscar Santos
Esta manifestação escrita em 2011 por Márcio de Mello Castanho, retrata literalmente o que é "my friend" Oscar, um cidadão afro-descendente que busca na intelectualidade, um padrão melhor de vida. Um verdadeiro exemplo de dignidade, para este país chamado Brasil. Leiam com atenção.
Em qualquer tarde de sol ou chuva na rua Capote Valente, aqui no bairro de Pinheiros, São Paulo - em seu "escritório" improvisado na mesinha do modestíssimo bar do Mica, e atrás de uma pilha enorme de livros de todos os gêneros e vários idiomas, você vai encontrar o Oscar, morador da pensão vizinha e conhecido pelos moradores como o "My Friend". Restam poucas figuras como ele no Brasil de hoje.
Impecavelmente trajando terno e gravata, Oscar só desvia sua atenção desses graúdos compêndios para ajudar uma senhora idosa que vem com as compras do supermercado; para adiantar-se, em meio à garoa, e abrir a porta do táxi para uma moça grávida; ou para saudar a passagem de um morador conhecido, com a frase mágica, marca registrada que lhe valeu o carinhoso apelido:
- "Hello, my friend !"
Para só então voltar á sua prazerosa leitura de Shakespeare (nos originais), Platão, Norman Mailer ou Machado de Assis, enquanto no CD ouve Bach ou Miles Davis. Centenas de pessoas passam por ali, preocupadas com a 74ª prestação do carnê de seu Corsa Flex ou sonhando com uma viagem à Disney, sem se dar conta da vida de verdade: em meia hora de papo, você pode aprender e discutir qualquer assunto, da Lógica à fina Culinária dos Cordon Bleu, da Estratégia Militar à filosofia de Aristóteles.
Ex-militar que já viajou o mundo (ostenta com orgulho na mesinha do bar, em dias cívicos, sua farda de paraquedista do Parasar), Oscar já enfrentou uma grave perda, e gigantescos percalços, que alteraram - em muito - o rumo de sua vida. Mas mantém-se firme.
Muito conservado em seus cerca de cinqüenta anos de vida (graças às religiosas caminhadas matinais) Oscar encaminhou-se nesta semana a um posto de inscrição para, com as economias das aulas particulares de inglês que ministra (para alunos que o idolatram), eufórico como um jovem de dezoito anos, pagar a taxa para o vestibular da USP - quer cursar História (já é formado em Psicologia). Ao terminar a ficha, a secretária do posto chamou sua atenção para um campo que deixara de preencher e lhe valeria uma preciosa regalia:
- Olha... você esqueceu de mencionar aqui que é da raça negra. Com isso, entra nas quotas e precisará de uma nota até 3% inferior aos demais, para conseguir a vaga !
- Obrigado, mas... Não esqueci não, minha senhora. Vamos em igualdade de condições... Um dia pretendo escrever uma Tese e não quero que digam que eu sou três por cento menos capaz do que outros.
- Puxa... sabe que o senhor é o primeiro que não aceita ?!
Oscar é um brasileiro da raça negra, que tinha muitos motivos para revoltar-se com a sociedade hipócrita de nossos dias, que fecha os olhos para a corrupção dos políticos, mas aprova sua tentativa de colocar nos negros um carimbo perpétuo e mentiroso de "menas capaz". Íntegro, não aceita essa pecha, não cede à tentação do oportunismo que assola a Nação - e, ao contrário, devolve á sociedade gentileza e sabedoria - pois não abre mão de um legado, valor inestimável deixado pela família: Educação.
Não há outro caminho para o Brasil. Como se já não bastassem quinhentos anos de abandono, corrupção e quatrocentos de escravatura, agora a Era Digital vem para ampliar o abismo entre uma ínfima minoria com acesso à Educação (paga) de qualidade e a imensa maioria, dezenas de milhões abandonados á própria sorte (sorte ?) na rede pública de ensino, entregues a escolas de lata, ricas em goteiras, e impotentes professores mal pagos e, por isso, muitas vezes despreparados.
Para um morador da periferia de São Paulo, distante quarenta quilômetros da "civilização" e que sequer tem dinheiro para a alimentação e o transporte, a falta de perspectiva de sobrevivência e futuro numa sociedade que discute Nanotecnologia e a necessidade de um terceiro idioma para os filhos, idolatra Nikes, Samsungs e Ipods ... é um massacre insuportável. Multiplique isso pelo noticiário que assistem diariamente como você, dando conta da impunidade de senadores, deputados, prefeitos e governadores e para muitos deles, cercados de esgoto a céu aberto, sem dinheiro sequer para comprar o material escolar (que deveria ser função do Estado, voraz em impostos), a revolta será inexorável: o crime é a saída ! Cada um por si e o Diabo para todos !!

Afável, paciente, generoso, o povo brasileiro suplicou por séculos um único direito: oportunidades iguais. Perderam a paciência, marginalizados compulsoriamente pelo Estado corrupto que - não nos enganemos - é o retrato do País. E a implantação do "Socialismo Fome Zero", da malfadada, demagógica e mentirosa caridade estatal que perpetua o Brasil "pedinte", sem auto estima - mas que rende votos, é a saída para outra parte que não se verga ao crime, mas, no abandono e ignorância, acaba por agarrar-se à esperança de um "Messias" tupiniquim. Chavez perpetua-se assim, na Venezuela.
Acorda, Brasil ! Todo o dinheiro possível e impossível investido na Educação ! Isso é urgente. Tem que ser uma exigência da sociedade. Fanático por futebol, eu abriria mão dos cerca de US$ 5 bilhões que serão investidos na Copa do Mundo, para sufocar alegremente uma parte do Brasil, mesmo que uma única geração, com livros, lápis, cadernos, escolas, cultura, um ensino melhor. Escola pública de qualidade, professores bem pagos, aparelhamento, computadores, pesquisa. Vamos empilhar o País de livros, cadernos, canetas, réguas, computadores com acesso à internet banda larga !
As crianças adoram o material escolar novinho, o orgulho de ter seu caderninho, seu lápis de cor, seus livros ilustrados. Não há sedução maior para os pequenos. O dinheiro necessário para uma revolução cultural no Brasil é uma ínfima parte da corrupção e do custo da máquina pública: milhares de cargos "de confiança", aposentadorias milionárias no Judiciário, gente que apenas suga o País. É preciso determinação e foco nisso: só a EDUCAÇÃO vai salvar o País de uma guerra civil que já se anuncia em Rede Nacional de TV, em assaltos, seqüestros, pancadarias e morte até mesmo em partidas de basquetebol...
Os sinais que estão sendo dados por milhões de jovens sem perspectiva é claro: ou nos dão oportunidade decente de estudo e formação - ou é guerra declarada. A Rua Capote Valente, Pinheiros, São Paulo, é uma alameda como milhares de outras de classe média pelo País. A cada ano, nós, os moradores, subimos meio metro de nossos muros. Sabemos que isso não vai proteger-nos. Porque, então ? Provavelmente, para esconder nossa vergonha.
Eu é que não vou deixar passar a vida assim. Sento-me à mesa para conversar e pensar o Brasil diariamente com o Oscar, my friend.
Vejam mais fotos...
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