quinta-feira, 10 de março de 2022

O Mito Xica da Silva

Tudo começou em 1860, quando o advogado Joaquim Felício dos Santos, foi contratado para cuidar da partilha da herança de uma neta de Xica da Silva e examinando antigos documentos das propriedades deixadas pelo contratador João Fernandes. O advogado ficou fascinado com as informações colhidas sobre a vida dos dois amantes, historiador nas horas vagas, sem nenhuma fonte histórica, decide relatar ao seu modo, a história de Xica em seu livro “Memórias do Distrito Diamantino”, publicado em 1868. Joaquim Felício dos Santos, descreveu Xica da Silva como uma negra que saiu da condição de escrava para se tornar rainha, utilizando-se do seu corpo e apetite sexual invulgar para seduzir pessoas poderosas, cujas histórias não comprovadas em sua biografia real, gerou diversos mitos ao longo do tempo. Pesquisas recentes contestam o mito de que Xica da Silva era um furacão sedutor, uma verdadeira devassa sexual. Para recontar a vida da ex-escrava, a historiadora Júnia Ferreira Furtado, pesquisou a fundo os costumes daquele tempo. De fato o sexo era a única condição encontrada pelas escravas, para facilitar o acesso à alforria e o concubinato. Seja como for, as mulheres tinham maiores chances de ganhar liberdade do que os homens, pois, uma vez livres, viam diminuir o estigma da cor e da escravidão para elas e seus descendentes. Com base em documentos encontrados em fóruns de cidades próximas a Diamantina, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e na Torre do Tombo, em Lisboa, Júnia descobriu que Xica da Silva estava mais para zelosa mãe de família, fiel ao homem com quem viveu por dezessete anos, do que para mulher depravada que escolhia parceiros conforme o tamanho do cofre. Não há informações sobre outros casos amorosos, nem mesmo depois da partida de João Fernandes, o que teria causado atritos na sociedade profundamente conservadora da época.

Não se sabe exatamente a data de nascimento de Francisca da Silva de Oliveira, depois conhecida como Xica da Silva, sabe-se que ela era filha de Maria da Costa, uma escrava africana da Costa da Mina e de um português chamado Antônio Caetano de Sá, fato comum na sociedade da época. Vendida como escrava para médico português Manuel Pires Sardinha, conseguiu chamar atenção do contratador João Fernandes, ficando encantado com a beleza da jovem mestiça descendente africana. Em 1754, foi comprada pelo contratador pelo valor triplo do que valia um bom escravo na época. Poucos meses depois, João Fernandes se amancebou com ela, e no Natal do mesmo ano, lhe concedeu alforria. Tiveram uma relação estável, mas não oficial, pois, na época o casamento era reservado apenas aos indivíduos do mesmo status sociais. Apesar de ser uma concubina, alcançou prestigio e se tornou a mulher mais respeitada e poderosa na sociedade local e usufruiu das regalias privativas das senhoras brancas. Ela ficou reconhecida na região como a Xica que manda, chegou até a ficar conhecida na corte portuguesa. Para satisfazer o desejo de sua amada, João Fernandes construiu um palácio com vinte e um cômodos, onde havia um jardim com plantas exóticas vindas da Europa e cascatas artificiais. Sua casa ficava na rua do Bonfim, local prestigiado do arraial. Embora ex-escrava, tornou-se proprietária de vários serviçais e adorava andar rodeada de escravas. Como não conhecia o mar, Xica mandou formar um lago artificial, para fazer uma viagem marítima sem sair da região. Entre 1755 e 1770, o casal tiveram 13 filhos, todos foram registados como sendo filhos de João Fernandes, ato incomum na época quando os filhos bastardos de homens brancos e escravas eram registrados sem o nome do pai. Preocupada com a educação das suas nove filhas, ela fez questão de educa-las no melhor educandário da região de Minas.

Em 1771, João Fernandes teve que se ausentar do Brasil, convocado pela coroa para prestar contas sobre a acusação de violar regras do contrato que tinha com a corte. Ao retornar a Portugal, João Fernandes nomeou um tutor para seus filhos, além de redigir um testamento que garantia a herança aos herdeiros ilegítimos. João Fernandes levou para o reino os quatro filhos homens, além de Simão Pires Sardinha, o primeiro filho de Xica, que se responsabilizaria pelo futuro dos irmãos. Disposto a introduzir os filhos na corte, o ex-contratador ocultou as origens deles e a relação que mantinha com a ex-escrava. Desta forma, promoveu a ascensão social de seus filhos. Em Lisboa, João Fernandes fica doente até falecer em 21 de dezembro de 1779. No testamento do contratador não constava o nome de Xica. Isso não ocorreu de forma proposital ou por ingratidão. A inexistência da sua mulher em seus legados permitia dignificar os filhos perante a sociedade elitista do reino. Para manter uma vida confortável, recebeu propriedades deixadas pelo contratador, que lhe garantiram a sobrevivência mesmo depois da morte do seu amado. Mesmo sozinha era aceita pela elite composta quase que exclusivamente por brancos, mas também mantinha laços sociais com mulatos e negros por meio de suas irmandades. No dia 15 de fevereiro de 1796, Xica da Silva morria em sua casa, no arraial do Tejuco. Como era costume na época, ela tinha o direito de ser sepultada dentro da igreja, o reconhecimento social ficou evidente no funeral: ela foi enterrada na tumba número 16, no interior da igreja da Irmandade de São Francisco de Assis. Em missa de corpo presente, com todos os ritos e sacramentos que distinguiam os irmãos, sua alma foi encomendada diante de todos os sacerdotes do arraial. Anos depois o cadáver de Xica foi encontrado pelo jornalista Antonio Torres, intacto e conservando ainda a pele seca e negra.

3 comentários:

  1. Anônimo disse...

    Gostei muito da verdadeira História
    Preciso fazer um trabalho sobre ela, no começo achei que ela era uma prostituta , mas lendo esta postagem percebi que foi só a mídia que me fez pensar nisso

    Obrigada por tudo

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  2. Blog do Siéllysson disse… 19 de janeiro de 2011 11:14

    Excelente seu trabalho!
    Sou historiador e trabalho a conidção dos negros aqui na Paráiba. Um abraço Siéllysson

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  3. ana disse… 26 de setembro de

    Preciso da ajuda de todos... faço parte de uma escola de samba de sp E esse ano 2012 iremos homenagear XICA DA SILVA, temos uma parte da escola que representara os filhso de xica, preciso muito de informações sobre os filhos, caracteristicas como viviam etc… no aguardo

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