(Esta foi a minha primeira entrevista, concedida em 2008 pelo grande amigo Ernesto Doset. Por mais de 3 anos frequentei o Bar Lua Nova, com certeza o melhor lugar e ambiente acolhedor que conheci. Por muitas vezes organizei eventos para levar minha família e amigos que ficavam entre 30 a 50 pessoas. Além do repertório de qualidade e emocionante, vale destacar o tratamento dos funcionários... pena que fechou.)
Da paixão pela música herdado pelos tios, Ernesto faz do seu repertório, uma ponte entre o passado e o presente, para divulgar os grandes nomes da música popular brasileira.
O Bexiga já foi considerado, um dos pontos de boemia mais tradicionais de São Paulo. Por que, esse reduto adotado por Adoniram Barbosa, deixou de ser parada obrigatória nas noites paulistanas?
Ernesto Doset: Não só por Adoniran Barbosa, mas por Johnny Alf, Maísa Matarazzo, Toquinho, Altemar Dutra e muitas outras estrelas de nossa música. Com a deterioração do centro de São Paulo, principalmente ocasionada pela presença de viciados e pequenos traficantes, começaram a ocorrer pequenos furtos e roubos, o que assustou os freqüentadores e os donos de casas de espetáculos que acabaram por migrar para o Itaim Bibi, Pinheiros, Vila Madalena, etc. Felizmente hoje o quadro é bem diferente, o Bixiga voltou a ser um lugar tranqüilo e seguro e existem alguns projetos na Câmara Municipal de São Paulo de revitalização do bairro, a exemplo do que está acontecendo no resto do centro da cidade.
Qual recordação você tem dos “velhos tempos” do Bexiga?
Ernesto Doset: Só coisas boas. Grandes shows em pequenas casas. Muita gente bonita circulando pra lá e pra cá. Que bom que está voltando.
Hoje em dia, é muito comum encontrar uma roda de pagode, em qualquer boteco de esquina, para trazer mais clientela. Entretanto, você abdicou desse formato extremamente popular, para oferecer um ambiente mais selecionado. Qual foi o motivo dessa decisão?
Ernesto Doset: É preciso manter e cultuar nossas raízes e tradições. Não se pode viver de modismos e consumismo. Isso é para especuladores e eu não sou um deles.
Antes de se tornar proprietário do Lua Nova Arte & Bar, você era músico da casa. Como ocorreu essa mudança?
Ernesto Doset: O meu grande amigo, maestro e arranjador Vidal França, que era o proprietário, é músico e compositor de enorme talento, mas, tocar a casa comercialmente falando, não era o forte dele. Por esta razão entramos em acordo e acabei comprando a casa.
Quando conheci o Lua Nova Arte & Bar, você tocava com o grupo Trajetória do Samba, depois pelo “Dois no Samba”, composto por você e pelo excelente Beto Batera. E atualmente passou a ser “Três no Samba”, com a inclusão de Márcio Miele, e mesmo assim, a qualidade das apresentações não perderam em nada. Comente um pouco sobre essas formações?
Ernesto Doset: Eu particularmente gosto muito da formação tradicional com surdo, pandeiro, cuíca, cavaquinho, etc, porém alguns desencontros por um lado e outros compromissos dos músicos que formavam o “Trajetória do Samba” me levaram a optar por uma formação mais compacta e mais eclética. Hoje tocamos também outros gêneros de música, xote, baião, canção, bolero, tango, etc. Tudo que é bonito tem espaço em nossas apresentações mesmo porque os compositores brasileiros são muitos versáteis e por isso os interpretes também tem que ser.
Você toca um violão de 7 cordas, instrumento muito utilizado no Choro. Qual sua formação musical e como surgiu o seu interesse pela música?
Ernesto Doset: Desde menino dentro da própria casa ouvia meus tios, irmãos do meu pai, que eram artistas populares tocando e cantando com um regional formado por eles. Não havia como não ser influenciado. Ficava horas a fio ouvindo as músicas e as histórias. Pelo relacionamento profissional deles fomos brindados com visitas ilustres em nossa casa, como a do Noite Ilustrada e Silvio Caldas.
Com um repertório clássico e refinado, você demonstra todo a sua reverência aos grandes mestres do samba. Infelizmente nomes de valores históricos, que foram esquecidos pelo tempo. Como você analisa o atual momento da música brasileira?
Ernesto Doset: É muito difícil falar disso sem ser parcial. Mesmo porque gosto não se discute. O que eu penso é que, infelizmente, com o avanço tecnológico, o artista cada vez mais vai sendo deixado de lado. Por exemplo você pega um desses teclados modernos, computadorizados e acoplados com bateria eletrônica é uma coisa que não dá pra competir. Um cara sozinho, insere um disquete previamente preparado e esse negócio, pra não dizer outra coisa, até canta por ele. Onde você teria seis ou sete músicos você tem essa obra prima da engenharia eletrônica a seu favor.
Um dos pontos, que considero mais interessante nas suas apresentações, são justamente nos intervalos entre as músicas, onde você pede a atenção do público, para descrever a história envolvendo uma determinada composição. Explique a importância dessa informação?
Ernesto Doset: Eu penso que o artista, como no meu caso, que interpreta obras dos outros, tem por obrigação, primeiro saber o que é, e de quem é ou o que está cantando, segundo informar o público a esse respeito pois é absolutamente responsável pela divulgação da cultura musical brasileira a todos aqueles que vem lhe assistir.
Durante a semana, toda noite tem uma atração diferente no palco, cada um se apresentando no seu estilo e gênero musical . Existe um critério adotado, para um determinado padrão de show? Qualquer pessoa com senso artístico pode se apresentar?
Ernesto Doset: Eu faço pessoalmente uma triagem de cada artista que deseja se apresentar. Essa coisa de deixar um CD “demo” comigo não vai. A gente sabe, voltando a falar da tecnologia, o que se consegue fazer num estúdio de gravação. Até mudo canta e aleijado (sem mãos) toca. Eu não tenho preguiça. Monto o palco, ligo e preparo o som e coloco o artista pra fazer uma breve apresentação. Quem sabe faz ao vivo. Meu desejo é só proporcionar ao público que prestigia o Lua Nova atrações de qualidade.
Além da música, o Lua Nova Arte & Bar, também oferece espaço para outras atividades a serviço da arte e cultura. Essa oportunidade é bem aceita, pelo público freqüentador. Ainda existe interesse em artistas alternativos?
Ernesto Doset: Claro que sim. Recentemente tivemos uma vernissage, um sarau de música e poesia e o lançamento de um livro.
O samba com feijoada é um cardápio bem recebido, em um reduto tradicionalmente italiano de macarronadas e Tarantelas?
Ernesto Doset: O Bixiga tem isso de bom. Não se esqueça que somos os atuais campeões do carnaval paulista (escola de samba Vai-Vai em 2008). Aqui o samba convive pacifica e harmoniosamente com as tarantelas.
Falando em comida, além da deliciosa feijoada, o serviço de cozinha oferece refeições diariamente, cada dia um prato diferente. Qual o segredo para manter a excelência e qualidade do cardápio?
Ernesto Doset: No momento não servimos mais almoço, com exceção aos sábados. Estamos passando por uma reestruturação e em breve voltaremos a fazê-lo, provavelmente em abril.
A forma de atendimento ao público é muito humana. As pessoas se sentem à vontade e como diz a simpática e sorridente Bia Sá (gerente e coordenadora), “a casa é de vocês”. Assim como eu, muitos que convidei tiveram a mesma impressão, o tratamento sempre com sorriso, as brincadeiras e principalmente o respeito. Isso faz do Lua Nova Arte & Bar, um ambiente de amigos?
Ernesto Doset: A Bia não está mais trabalhando comigo. Precisava voltar a estudar, concluir a faculdade, e aqui, pelo ritmo que é não era possível. De qualquer forma, procuramos efetivamente proporcionar a quem freqüenta o Lua Nova essa sensação de estar em casa. O funcionários são orientados e cobrados desse tipo de postura. Quanto a quem gerencia a casa isso é obrigação.
Eu sou suspeito para falar desta casa, que conheci por acaso em novembro de 2007, onde fui o primeiro cliente a celebrar um aniversário (se tiver errado me corrija) e toda vez que venho com a minha família e amigos, todos são bem recebidos.
Ernesto Doset: Nada mais é do que a obrigação de quem abre a porta de um estabelecimento para receber pessoas. Realmente você foi o primeiro a celebrar um aniversário na feijoada de sábado, mas eu gostei, achei muito legal.
Para terminar a entrevista, gostaria que você indicasse uma música, que tenha um significado ou que goste de cantar, para ser anexado ao vídeo da matéria.
Ernesto Doset: Legal! Pode incluir a música “Espelho” do memorável João Nogueira e Paulo Cezar Pinheiro. Obrigado pelo carinho e pela oportunidade e não deixe de aparecer.
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